Colossenses para o trabalho

Jordan Raynor

Jordan Raynor

6 jun. de 2022

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O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. (Colossenses 1:15, 16)

No primeiro capítulo de Colossenses somos apresentados a uma verdade teológica bastante profunda: Que todas as coisas foram criadas por meio de Jesus Cristo e para Jesus Cristo.

Jesus estava presente no começo do tempo criando “todas as coisas que há nos céus e na terra.” Contudo, como já sabemos, no sexto dia Deus passou o bastão da criação para nós. Ele nos chama para preencher e sujeitar a terra com os nossos atos de criação cultural.

Isso levanta a questão: hoje, quando criamos algo, somos nós de fato que criamos ou é Deus quem cria através de nós?

João 1:3 nos diz que “todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.” E em Hebreus 3:4, Paulo nos diz que “porque toda a casa é edificada por alguém, mas o que edificou todas as coisas é Deus.”

Eu simplesmente amo esse trecho do livro e Hebreus. Talvez ele seja a mais sucinta e concreta descrição daquilo que acredito que a Bíblia afirme sobre o nosso trabalho como co-criadores com Deus. Sim, “toda casa,” toda empresa, toda ponte e toda peça de arte é “edificada por alguém.” Contudo, “o que edificou todas as coisas é Deus.”

Como podem as duas coisas serem verdade ao mesmo tempo?

Como o primeiro capítulo de Colossenses nos lembra, nós adoramos um Deus que trabalha, um Deus que cria, um Deus que é produtivo em fazer coisas novas a serviço dos outros. Por meio da nossa fé na obra de Cristo na cruz, temos o Deus criador trabalhando em nós e através de nós (veja o que está escrito em Colossenses 1:27).

Como cristãos, nós não criamos por conta própria. Jesus cria algo em nós e através de nós. Essa verdade sempre me traz à memória um dos meus hinos modernos preferidos:

Me apego a isso. Jesus é minha única esperança. Minha vida está completamente prostrada diante dele Oh, quão estranho e divino, posso cantar: tudo é meu! Ainda assim, não sou eu, mas é Cristo em mim.

Os frutos da nossa criação não são, no final das contas, nossos frutos. São frutos de Cristo em nós. Essa verdade deveria criar em nós uma grande humildade assim como um profundo desejo de trabalhar e criar com o intuito de revelar o caráter de Cristo em nós.


"No sexto dia Deus passou o bastão da criação para nós. Ele nos chama para preencher e sujeitar a terra com os nossos atos de criação cultural."


  • A insana energia de Paulo

A quem anunciamos, admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem em toda a sabedoria; para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo; e para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente. Porque quero que saibais quão grande combate tenho por vós, e pelos que estão em Laodicéia, e por quantos não viram o meu rosto em carne; para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em amor, e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus e Pai, e de Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência. (Colossenses 1:8 – 2:3)

Nos últimos anos, tenho a impressão de que surgiu uma enorme quantidade de livros e outros conteúdos – especialmente cristãos – nos encorajando a desacelerar e descansar. Diante do nosso vício moderno pelo trabalho e nossa crescente suscetibilidade para nos tornarmos workaholics, tendo a ver todo esse conteúdo como algo bom.

Contudo, em meio a toda essa conversa sobre descanso, penso que precisamos ser cuidadosos para não cairmos no extremo oposto. Por toda a Escritura – e Colossenses em particular – somos chamados para trabalhar duro e com toda a energia ao trabalho que fomos criados para realizar.

Por que? Com qual finalidade somos chamados para gastar toda essa energia em nossos trabalhos?

Paulo responde essa questão no verso 28: somos chamados para trabalhar duro como uma maneira de proclamar Cristo em tudo o que fazemos para que outros o vejam e conheçam.

Fazer apenas o suficiente para receber o ser pago é a regra em nosso mundo hoje em dia. O que é raro é buscar vigorosamente ser excepcional em seu trabalho por ser compelido por uma missão maior que nós mesmos.

Qual é essa missão maior? Proclamar a o nome de Cristo para que outros possam conhece-lo também.

Nossos trabalhos fornecem, talvez, um dos maiores espaços onde podemos fazer Cristo conhecido por meio do nosso estilo de vida, nosso estilo de falar e pela nossa maneira energética de trabalhar para produzir coisas excepcionais para o bem do próximo.

Portanto, sim, sejamos intencionais no descanso e em combater essa cultura workaholic. No entanto, sejamos intencionais também em nos tornarmos conhecidos pelo nosso trabalho duro, de modo a sermos identificados fomo servo do Deus Criador.

Redimindo o seu tempo: Sete princípios bíblicos para ser intencional, presente e extremamente produtivo

Jordan Raynor

Redimindo o seu tempo: Sete princípios bíblicos para ser intencional, presente e extremamente produtivo

R$25,00

Original: Escrito por Jordan Raynor © Jordan Raynor. Website: https://jordanraynor.com/twbw/#colossians/

© The Pilgrim. Website: thepilgrim.com.br. Todos os direitos reservados.

Tradução: Maurício Avoletta Júnior

O ponto de vista deste texto é de responsabilidade de seu(s) autor(es) e colaboradores direitos, não refletindo necessariamente a posição da Pilgrim ou de sua equipe de profissionais.


Jordan Raynor

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Jordan Raynor é um empreendedor e escritor best-seller. Ele também é presidente executivo da empresa Threshold 360 e foi cofundador da Citizinvestor.


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Ansiedade
Em Suma (Transcrição) - 3. O que Calvino diria a um suicida? Bem, nunca é fácil especular o que uma pessoa morta há mais de 400 anos falaria. E fica pior ainda quanto tratamos de um assunto tão delicado e complexo quanto o suicídio, com tantas dimensões médicas e psicológicas envolvidas, que um teólogo com certeza não pode lidar sozinho. E, para completar, será que vale a pena se aconselhar com os mortos? Com esse morto eu acho que sim. Para quem não sabe, Calvino é reconhecido como um dos maiores teólogos do século 16, sendo um dos maiores responsáveis pela consolidação da Reforma protestante. Mas não é o currículo teológico desse francês nascido em 1509 que importa aqui. De fato, ele escreveu muito na sua curta vida de 54 anos. Muita gente esquece que antes de escritor, político ou mesmo acadêmico, João Calvino era pastor. A maior parte do seu tempo envolvia não escrever livros grandes para discutir com gente grande, mas cuidar dos pequeninos de Genebra. Inclusive, uma das principais modificações promovidas por Calvino foi um aconselhamento pastoral mais próximo ao povo, levando a Palavra de Deus para sua vida cotidiana. O que Calvino pregou sobre o suicídio, então? Sendo esse assunto um tabu naquele tempo (e isso não parece ter mudado muito), temos pouco material sobrevivente. Para ser mais exato, temos dois sermões dele sobre suicídios no Antigo Testamento, o de Aitofel, conselheiro de Absalão, e o de Saul. O propósito de Calvino nesses sermões é mostrar como o suicídio é um pecado grave, ele o chama de “o pior crime”. Agora, calma, eu sei que isso não parece a forma mais inteligente de aconselhar um suicida, mas ouça o raciocínio completo. A razão básica para ser pecado é que, se Deus deu nossa vida, só ele pode tirá-la. Ele utiliza uma antiga comparação, herdada de Pitágoras, com um soldado em serviço: assim como um soldado não pode desertar o seu posto durante a vigília, não importando quão difícil a sua posição fique e quão escuro pareça tudo ao seu redor, até que o seu comandante o libere, da mesma forma, o justo deve esperar pelo Senhor. Ele vai livrá-lo na hora certa. Calvino alguma vez já tenha falado algo para um suicida? E a surpresa é que sim. Em 23 de janeiro de 1545, Calvino enviou uma carta às autoridades civis de Genebra. Em uma espécie de boletim de ocorrência, ele explica como conversou no dia anterior com um homem chamado Jean Vanchat, que tinha se esfaqueado numa tentativa de suicídio e estava morrendo lentamente por causa das feridas. Veja como Calvino relata o encontro: “Eu lhe perguntei o que levou ele a se ferir. Ele me disse que estava sofrendo muito. Eu lhe mostrei de diversas formas como o diabo lhe tinha seduzido e desviado. Depois de repreendê-lo, eu lhe perguntei se ele tinha se arrependido por ofender a Deus e sucumbir a tal tentação. Ele respondeu que sim. Eu repeti esse processo duas vezes. Eu perguntei se ele clamava a Deus por perdão e se ele tinha fé, e cria que Deus seria misericordioso com ele. Ele respondeu que sim. Então, nós oramos, como a situação exigia, reconhecendo e confessando o erro de sua ação. Eu lhe exortei novamente com minhas palavras a ser paciente e buscar a sua consolação na graça de Deus [...] Eu pedi para Vanchat se permitir ser tratado e assim mostrar que ele se arrependia do seu ato e se confiava a Deus. Por sua atitude e palavras, eu vi que ele estava calmo e lúcido. Quando tudo isso foi feito, eu deixei-o com nosso irmão Monsieur de Genestons.” Ou seja, Calvino diria quatro coisas a um suicida. Por mais incorreto que pareça hoje, Calvino afirmaria que é pecado. Pode ser perdoado pela graça de Deus e não quer dizer que a pessoa vai necessariamente para o inferno depois de cometê-lo, mas ainda é pecado. E isso é um ótimo motivo para não praticá-lo. É justamente um senso de dever que impede muitos de levar a cabo suas tentativas de suicídio. Em segundo lugar, justamente por ser pecado, quer dizer que não é inevitável. Aquele que está disposto a tomar a própria vida não é por amar a morte, mas é por se ver numa situação tão insuportável que a morte parece ser a única saída no fim do túnel. Como o escritor David Foster Wallace (que infelizmente se matou) descreveu: é como estar num prédio em chamas, e você só pula dele porque sabe que vai ser menos doloroso cair lá embaixo do que nas chamas. A boa notícia é que Deus sempre vai deixar uma saída de emergência desimpedida nesse prédio. O suicídio nunca vai ser a única solução. Deus a ninguém tenta, como Paulo diz em 1Coríntios, “Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar”. Em terceiro lugar, o ponto central de Calvino era “a paciência e a consolação da graça de Deus”. Como Paulo diz em 2Coríntios 1, quando ele próprio “se desesperou da própria vida”, ele diz que “assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor, assim também a nossa consolação transborda por meio de Cristo”. Não só os sofrimentos de Jesus foram por nós, a sua consolação também é por nós. Assim como depois da cruz vem a ressurreição, depois dos sofrimentos vem a consolação. Tenha bom ânimo, irmão! Se agora você está sofrendo, se desesperando da própria vida, saiba que o próximo passo no plano de Deus para você é a consolação. Tudo que ele pede é que você aguente firme até que esse dia chegue. 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Assim, para aqueles que dizem que é legítimo nos matar se for um meio de evitar o mal, nós sempre respondemos que a real prova de nossa fé é que, quando estivermos, no final de nossas forças e razão, precisamos dizer ‘Deus proverá’” Em suma, é isso que Calvino diria a um suicida: “Deus proverá”. BIBLIOGRAFIA: CALVIN, Jean. Autograph document signed, a deposition to the authorities of Geneva on the circumstances of the attempted suicide of Jean Vachat, n.p. [Geneva], 23 January 1545, in French, one page, folio (320 x 215mm). The Albin Schram Collection of Autograph Letters. Londres, 3 de julho de 2007, pp. 198-199. MANETSCH, Scott M. Calvin’s Company of Pastors: Pastoral Care and the Emerging Reformed Church, 1536-1609. Oxford Studies in Historical Theology. Nova York: OUP, 2013. WATT, Jeffrey R. “Calvin on Suicide”. Church History. V. 66, n. 3. Setembro de 1997, p. 463-476.
Guilherme Cordeiro
Guilherme Cordeiro

Guilherme Cordeiro

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Ansiedade
O nascimento do sujeito do desempenho Recentemente finalizei a leitura do livro Sociedade do Cansaço, do autor sul-coreano Byung-Chul Han. Li, pois diversos amigos comentaram que possuía um conteúdo fantástico, mesmo em tão poucas páginas – 120 páginas, para ser mais exato. De fato, sinto que minha compreensão da sociedade atual e de seus ritmos foi enriquecida, passei a gostar ainda menos dela – brincadeira. Resumidamente, o livro diz que cada época tem algum tipo de doença característica. Por exemplo, houve a era das doenças bacteriológicas e virais; agora, segundo o autor, o mundo é marcado pelas doenças neuronais, tais como Burnout e depressão e, como aponta Han, são causadas pelo excesso de positividade. A pós-modernidade não possui mais a negatividade daquilo que é o outro, algo estranho. A globalização (não uso essa palavra desde o ensino médio) acabou por deixar o mundo homogêneo. Em muitos casos, ainda há o estranho, mas na forma de um produto de consumo exótico. Não há mais aquela reação imunológica da dialética da negatividade, onde devíamos negar o estranho para sobreviver. Somos uma sociedade que não conhece barreiras. O engraçado de tudo isso é que eu lembro de brincar com o meu antigo professor de geografia, o Jefinho, dizendo que a globalização era como o slogan daquela operadora de celular: viver sem fronteiras. Como sou engenheiro, preciso usar meu linguajar próprio, porque gastei o meu vocabulário de palavras complicadas no parágrafo anterior. Sofremos de um feedback positivo, nossos pólos foram alocados no semi-plano positivo no plano complexo (se não entendeu, então você precisa estudar a teoria de controle clássico). Viver dessa forma, onde somos, todos os dias, impulsionados para frente sem nunca parar, buscando sempre “a melhor versão de nós mesmos”, nos levará a uma crise de depressão justamente da descoberta de nossos limites ou, pior ainda, na descoberta de nossos erros. Byung-Chul Han comenta também que computadores são máquinas da positividade: elas não podem parar para fazer outra coisa ou simplesmente não fazer nada; nós, meros seres humanos, não somos assim. Não fomos projetados para trabalhar e viver dessa forma. Talvez, devêssemos nos atentar ao instruction set dos processadores e verificar a existência do comando no operation, ou seja, até os melhores processadores, feitos para ter o melhor desempenho possível, têm comandos para não fazer absolutamente nada e que, por sinal, são muito utilizados. Durante o livro, o autor designa a sociedade positiva como a “sociedade do desempenho”. Ela ganha este nome pois seu objetivo é a maximização da produção. Os indivíduos que a compõem são chamados de “sujeitos do desempenho”, ou seja, pessoas que trazem essa cultura de produção. Quando finalizei a leitura, fiquei refletindo sobre o significado de tudo isso em minha vida; foi então que percebi o quanto eu trazia, dentro de mim, a cultura do desempenho. Quando jovem, era incentivado a nunca ficar parado. Minha agenda ficava totalmente preenchida até tarde da noite. Dentre as atividades, havia cursos de informática, idiomas – nos quais sempre fui uma negação –, trabalhos voluntários, atividades escolares e exercícios físicos. Além disso, era incentivado a ir bem nos estudos para passar em uma boa universidade, de preferência uma federal. Já com mais idade e finalizando a graduação em engenharia eletrônica, comecei um mestrado, enquanto também trabalhava meio período e fazia o TCC. Como dizia minha mãe, mente vazia é oficina do diabo. No entanto, quão diabólicas são as consequência de se ter a mente constantemente preenchida! Atualmente, a situação parece ter piorado. Os pais querem que seus filhos sejam alfabetizados cada vez mais cedo; além disso, não basta apenas aprender bem o idioma pátrio e saber inglês como na minha época (mesmo eu tendo falhado na parte do inglês), há a necessidade de estudar espanhol, alemão, mandarim (para usar o Android do Xiaomi no original), coreano (se for fã do BTS) e japonês (para ver animes sem legenda). Há também o agravante da tecnologia que já faz parte da vida dos mais novos. Eles estão crescendo sempre conectados e isso é um problema! Estar sempre conectado implica abrir mão daquela negatividade do parar. A máquina humana multitarefas interrompe uma atividade numa falsa negatividade, pois ela para apenas para realizar outra tarefa, sendo isso um processo preemptivo, cíclico e eterno. Talvez você tenha ficado confuso com a minha última afirmação. Na engenharia, preempção é o ato do processador parar uma tarefa, salvar seu contexto e então escalonar a próxima, por isso chamei o processo de preemptivo. Ele também é cíclico, porque as tarefas são sempre chamadas novamente. Uma pessoa que manda mensagens no Whatsapp, vê o Facebook, conversa com a mãe e assiste TV ao mesmo tempo, na verdade, está escalonando continuamente estas quatro tarefas em seu kernel orgânico. Ela vai da tarefa 1 para a 2; da 2 para a 3; da 3 para a 4 e, por fim, da 4 para a 1 novamente; tudo isso para voltar a rotina de escalonamento. Finalmente, é um processo eterno, pois não há fim para o tempo conectado. Ao que parece, o sujeito do desempenho tem surgido cada dia mais cedo. Na minha experiência de vida, me tornei esse sujeito por volta dos 12 anos. Os conhecidos que têm filhos já têm transformado suas crianças por volta dos 10. Daqui alguns anos, os recém-nascidos já não deverão mais ter babás, mas coaches para ensiná-los o caminho onde poderão desempenhar ao máximo seus dons. G. K. Chesterton disse que, um dia, teríamos que demonstrar para o mundo que a grama é verde. De fato, algumas obviedades foram totalmente descartadas, inclusive, até as máquinas positivas pifam quando não têm o descanso da manutenção.
Marco Antônio Chiodi Jr.
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Ansiedade
O amor é para os fracos O amor, para aqueles que sofrem de transtornos psicológicos, é diferente. Não o amor em si, mas o modo de amar. A intensidade dobra. Se estamos felizes, tudo fica mais eufórico; se estamos tristes, tudo se transforma num abismo profundo de escuridão. Tudo parece doer mais, como se ficássemos supersensíveis e super estimulados, ao mesmo tempo. Uma simples palavra ou frase crítica pode despertar o sentimento de rejeição, o trauma do abandono, a visão distorcida de valor-próprio. Para o ansioso, o amor é uma constante tempestade de dúvidas e interrogações. “Será que ele realmente me ama?” “Ele vai me abandonar”, “Ela tem pretendentes melhores”, “Será um fracasso”, “Sou um incômodo, ela vai perceber isso”, “Com quem ele tem conversado tanto no celular?”. A insegurança dobra, a desconfiança aumenta, e o questionamento, sobre se o relacionamento é real, distorce a realidade. Para o depressivo, o amor é uma ilusão bonita que vai se acabar a qualquer momento. Não acreditamos ser capazes de amar, muito menos de sermos amados. É um delírio, um sonho com data de validade. “Não tenho nada a oferecer”, “Não tenho como fazer o outro feliz”, “Não sei o que é o amor”, “Estou fadado a morrer sozinho”. Nós nos diminuímos, nos isolamos, procuramos o nosso valor enquanto não acreditamos que ele existe. Como amar alguém que frequentemente nega o amor, questiona o afeto e, muitas vezes, não sabe como retribuir? A verdade é que todo ser humano é assim. Em alguma instância, todos nós sabemos como é ter insegurança, medo de frustrações e de não sermos o suficiente. É ruim o bastante experimentar esses sentimentos na intensidade comum, mas quando enfrentamos pensamentos de inferiorização diariamente, de forma muito mais intensificada, pode se tornar difícil relacionar, aceitar e ser vulnerável. Não estou tentando diminuir as dificuldades de um relacionamento com pessoas emocionalmente doentes, mas propor que pensemos nesse tema com cuidado e amor. Não podemos obrigar as pessoas a ter amizades ou se relacionar amorosamente com ansiosos ou depressivos. Os desafios podem ser maiores, a paciência e percepção acabam sendo sempre necessárias, mas é preciso enfatizar que pessoas com transtornos psicológicos não são “escolhas ruins” ou “opções desgastantes”. São pessoas com qualidades diversas, virtudes a oferecer, com sonhos e desejos. São perceptivos, sensíveis e empáticos. Ansiosos e depressivos também querem e precisam ser amados. O amor deve ser intencional. Eu posso amar alguém mais vulnerável emocionalmente, compreender essa fragilidade, assim como minha própria fraqueza será exposta em algum momento. Ansiosos e depressivos podem falhar em muitas esferas, mas são vitoriosos em aspectos que outros não são. Se o amor é compromisso, temos que estar prontos a nos comprometer em servir ao outro, mesmo que haja esforço, e sempre há. Se o amor é sacrifício, então temos que estar prontos para sacrificar nossas expectativas e fantasias de pessoas perfeitas. É em meio a essas imperfeições que virtudes podem florescer. O caminho para um relacionamento, aqui, deve ser sacrificial e genuíno, mas consciente. A jornada pode ser dura, por isso é necessário ter amigos que os aconselham, líderes que os acompanham e a intencionalidade da escolha. Mas e para o coração daquele que está sofrendo, como aprender a amar se os sentimentos intensos, medos e circunstâncias sempre entram no meio dos relacionamentos? Aprendendo a lidar com a culpa e o medo de ser vulnerável. Se desfazendo dos pensamentos de que um relacionamento com você seria um fardo. Se abrindo para o temeroso desconhecido: o amor. Para os ansiosos e depressivos que estão lendo, não enraíze o medo em seu coração. Não se isole tão profundamente que há qualquer sinal de amor e de riscos, a fuga seja sua opção. Não somos a depressão e a ansiedade ou qualquer outra doença psicológica. Elas podem até nos limitar ou serem obstáculos em nossa vida, mas certamente não nos definem! Amar, para nós, significa trabalhar arduamente para quebrar padrões de comportamento que ferem os outros, mecanismos de defesa que nos isolam sempre que há algo errado, e as inúmeras inseguranças que espelhamos no outro, mas que falam mais sobre nós mesmos e sobre nosso coração. O relacionamento é feito por dois, e os dois devem cuidar e construir. Compreender isso é um passo essencial, quando assumimos a forma com que tratamos e lidamos com as situações, ainda que causadas por fatores involuntários e que ainda estão sem controle, começamos a caminhar em direção ao autoconhecimento. Identificar gatilhos, interromper crises antes de acontecerem, controlar o que falamos e fazemos, tudo se inicia no comprometimento de verdadeiramente buscar a mudança. E tal mudança, por mais que seja difícil aceitar, precisa partir de nós: desejando-a e procurando ajuda. O autoconhecimento auxilia, ainda, na melhor compreensão de quem somos e em como amar. Nossa identidade e capacidade de amar está em Cristo, aquele que se entregou e foi frágil (e forte pelo mesmo motivo). Desenvolver um relacionamento exige vulnerabilidade. Sei que é difícil, mas seja honesto com o seu coração. Diga o que está doendo, fale sobre suas inseguranças e expectativas. Não esconda os sintomas e emoções decorrentes da sua ansiedade e depressão. Não deixe o medo da rejeição te impedir de viver. Suas fraquezas só mostram que não é possível amar o outro sem entregar a vida e o relacionamento a Deus. O amor é difícil. Nós amamos nossos pais, irmãos e amigos, mas quando surgem problemas, defeitos e incômodos, somos confrontados com a verdade que amamos com conveniência e comodidade: não queremos encarar a realidade do que o amor realmente é. Desejamos coisas fáceis de lidar e pessoas que nos amam sem causar dores e tristezas, mas amar leva tempo e esforço. Demanda intencionalidade e sacrifício. Demanda sermos como Cristo, mansos e humildes, pacientes e firmes no amor. Se você, como eu, já pensou que seria impossível amar e ser amado pelas suas fraquezas, quero te contar uma verdade: o amor é para os fracos, os vulneráveis, os que se entregam (e entregam seus relacionamentos) ao Pai que é forte de verdade. Abandone as expectativas de um relacionamento perfeito. Se agarre ao desejo de construir um relacionamento único, firmado em Cristo. Se agarre ao que Jesus diz que você é: amado e capaz de amar. Não será perfeito, mas será real.
Ana Staut
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Ana Staut

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