Foi por isso que deixei o Twitter...

Ray Ortlund

Ray Ortlund

23 jun. de 2022

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4 minutos de leitura

O que falarei aqui é uma posição pessoal. Não é minha intenção tecer críticas a alguém em específico. Para alguns, o Twitter pode até mesmo ser uma necessidade relacionada ao trabalho. Mas, no meu caso, estou fora. Relutantemente, admito, pois é sim possível fazer algo bom com o uso do Twitter, mas, ainda assim, estou fora.

Por que? Bom, darei alguns breves motivos.

Minha ética do Twitter é fortemente influênciada pelos seguintes trechos das Escrituras:

“Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos” (Romanos 12:17). Exposição pública requer uma reflexão cuidadosa.

“Seja a amabilidade de vocês conhecida por todos” (Filipenses 4:5). Os cristãos deveriam ser conhecidos pela sua sensatez em meio a um mundo que destila ódio.

“(...) a ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tiago1:20). Nosso fervor moral pode, muitas vezes, parecer algo louvável, mas é apenas imoral e danoso à reta justiça.

“Tudo seja feito para a edificação da Igreja” (1 Coríntios 14:26). “Tudo”, incluindo o seus tweets. Cada um deles.

“O tolo dá vazão à sua ira, mas o sábio domina-se” (Provérbios 29:11). Um pensamento comum que com bastante frequência me vêm à mente: “Ray, cala a boca!”

“Ao entrarem na casa, saúdem-na. Se a casa for digna, que a paz de vocês repouse sobre ela; se não for, que a paz retorne para vocês” (Mateus 10:12, 13). Algumas pessoas simplesmente nunca ficaram satisfeitas pois estão, obviamente, insatisfeitas. Quando me encontro alguma dessas pessoas, o Senhor me orienta a parar e, com tristeza, dar meia volta, permitindo que a paz retorne para mim.

Isto posto, três pontos importante pesaram na minha decisão:


"Os cristãos deveriam ser conhecidos pela sua sensatez em meio a um mundo que destila ódio."


Primeiro: o bem que pode ser alcançado por intermédio do uso do Twitter pode também ser alcançado – e de modo muito mais frutífero – na vida real.

Ficar subindo a tela do Twitter é uma experiência bastante intensa que pode, na mesma intensidade, nos fazer de tolos. Faz parecer ser mais real do que, de fato, o é. A demanda emocional é alta demais. O Twitter trai essa conectividade que nos atrai para ele. Acabamos cada vez mais acanhados, até mesmo injuriados. Por anos, diante do custo-benefício, sempre fiz o cálculo ser favorável aos benefícios. Eu não consigo mais fazer isso.

Segundo: estou profundamente deprimido com o comportamento dos cristãos no Twitter. Há tantos que eu admiro! Mas o Twitter parece ser capaz de tirar o pior de cada um de nós. E é nítido que alguns nós não percebem o mal que estamos fazendo. As acusações irresponsáveis, as brincadeiras odiosas, a audácia, as reações-gatilho, as calúnias irreverentes... Por graça, raramente fui alvo desse horror. Contudo, mesmo apenas observando, minha alma começa a sofrer. Me sinto imundo.

Como amo dizer, “a doutrina cristã cria a cultura cristã.” Nós todos falhamos em incorporar a beleza do Evangelho. Eu com certeza falho. Contudo, quando passamos a cruzar essa linha para exibir, repetida e publicamente, o exato oposto de Jesus, eu me oponho. Eu me oponho com cada força do meu ser. Me recuso a estar envolvido nisso.

Terceiro: o Twitter consome muito tempo e não tenho todo esse tempo para perder. Para um homem na casa dos 70, eu sou supreendentemente saudável. Contudo, cedo ou tarde, algo ruim me encontrará para me derrubar. Ok, sei que Jesus está preparando um lugar eterno para mim, mas e se eu morrer, digamos, no meu aniversário de 80 anos. É algo hipotético, mas bastante plausível. Caso isso aconteça, significa que tenho apenas 2677 dias restantes neste mundo. E, no dia da minha morte, você acha que me arrependerei de não ter gasto esse tempo com o Twitter?

A resposta é óbvia.

Sentirei falta de interagir com os meus amigos do Twitter. Você sabe quem você realmente é e aposto que você é uma pessoa incrível, mas amizades são melhores cara-a-cara. Seja lá onde você estiver, Deus te deu verdadeiros amigos. Como Shakespeare sabiamente disse: “prende-os na tua alma com grampos de aço.”

Portanto, por que não ligar agora mesmo para algum amigo querido e dizer o quanto ele significa para você?

“O próprio Senhor da Paz dê a vocês a paz em todo o tempo e de todas as formas. O Senhor seja com todos vocês” (2 Tessalonicenses 3:16).

P.S.: baixei todo o histórico do meu Twitter. Tenho tudo gravado.

A pirâmide da sabedoria

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Original: Escrito por Ray Ortlund © The Gospel Coalition. Website: https://www.thegospelcoalition.org/blogs/ray-ortlund/why-i-got-out-of-twitter/

© The Pilgrim. Website: thepilgrim.com.br. Todos os direitos reservados.

Tradução: Maurício Avoletta Júnior

O ponto de vista deste texto é de responsabilidade de seu(s) autor(es) e colaboradores direitos, não refletindo necessariamente a posição da Pilgrim ou de sua equipe de profissionais.


Ray Ortlund

Ray Ortlund

pastor da igreja Immanuel Church, em Nashville, Tennessee. Ortlund é também presidente do Renewal Ministries e participa dos conselhos do The Gospel Coalition.


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Quando falo de um místico católico romano, você deve pensar em imagens barrocas, devoções marianas, relatos de milagres pós-morte e visões bombásticas. Por outro lado, um puritano pode lembrar um estraga-prazeres que julga quem bebe bebida alcoólica, com regras estritas para toda a família e a sociedade, vestindo um chapéu que lembra certa marca de aveia. Só que essas impressões estão erradas. Um místico é simplesmente alguém que cultiva o antigo desejo de Moisés de ver Deus face a face, ou melhor, nas palavras de Jason Baxter, “afinal, o misticismo é o que acontece quando Deus não esconde nada da alma”. Por outro lado, o puritanismo, como bem definiram Joel Beeke e Mark Jones, “tal movimento do final do século 16 e começo do 17 foi uma espécie de calvinismo vigoroso. 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Tendo o objetivo de estudar em comum, ele se aproximou de um jovem cristão e, conforme relata, a amizade entre eles “amadurecia ao calor dos mesmos interesses”. Entretanto, esse mesmo rapaz veio a se desviar da verdadeira fé por influência deste tão lindo companheirismo. Boas amizades não significam amizades boas. Assim, uma constatação que Agostinho traz é de que a amizade só é realmente verdadeira quando une pessoas ligadas a Deus. Vale ressaltar que ele tinha conhecimento de como as más amizades influenciavam, já que, assim como ele afastou alguém da fé cristã, muitas amizades também o mantiveram afastado de Cristo. Sua vida devassa, a união com os maniqueus ou ainda sua estadia no neoplatonismo são regados de exemplos de péssimas amizades no ponto de vista cristão. Em seu livro Sobre a Vida Feliz, há a transcrição do colóquio entre o futuro bispo de Hipona, sua mãe Mônica, seu filho Adeodato e seu irmão Navigio, juntamente com Trigésio, Licênio, Lastidiano e Rústico, seus amigos. O cenário era o aniversário de Agostinho, quando ele reuniu seus achegados, tendo como objetivo principal descobrir o que era a felicidade. O interessante sobre esse trabalho não é a conclusão em si, pois Agostinho ainda estava impregnado com o neoplatonismo, mas sim o fato dos seus amigos estarem presentes na sua busca pelo conhecimento de Deus. Mudando da Argélia para a Capadócia, é possível encontrar outro exemplo de Amizade cristã, agora com Gregório de Nazianzo e Basílio de Cesaréia. Após sair de sua cidade para estudar na Grécia, Gregório encontra quem viria a ser seu grande amigo, Basílio, futuro bispo de Cesaréia. Uma grande amizade cristã nasceu desse encontro, mas o que os unia? Estudos, busca pela virtude, mas principalmente Deus: O Senhor me atribuiu ainda mais notável favor: deu-me por amigo o mais sábio, o mais respeitável, o mais erudito de todos os homens. Quem?, perguntar-me-ão. Uma só palavra o fará conhecer: Basílio. 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Lewis também relata isso: Numa amizade perfeita, esse amor apreciativo é, penso eu, frequentemente tão elevado e tão fundamentado que cada membro desse círculo se sente, no fundo do coração, humilhado diante dos outros. (...) Ele tem muita sorte de estar na companhia deles, especialmente quando todo o grupo de reúne, cada um contribuindo com o seu melhor, com o que tem de mais sábio ou mais divertido. No entanto, não era apenas a admiração que surgiu. Vê-se que a união foi tão forte e tão profunda, que Gregório relata que parecia que uma só alma habitava os dois corpos. Certamente se sentia humilhado e maravilhado pela grandeza do amigo, mas também sentia que agora o amigo fazia parte dele. Agostinho diz palavras parecidas sobre seu estimado amigo em Tagaste: Disse muito bem quem definiu o amigo como metade da própria alma. Eu tinha de fato a sensação de que nossas duas almas fossem uma em dois corpos. Nesse estágio, perder um amigo era sentir a própria alma dilacerada. 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A tristeza de não se encontrar com o amigo se transforma na alegria em saber que ele agora está junto daquele que era almejado, Deus.
Marco Antônio Chiodi Jr.
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