O nascimento do sujeito do desempenho
Recentemente finalizei a leitura do livro Sociedade do Cansaço, do autor sul-coreano Byung-Chul Han. Li, pois diversos amigos comentaram que possuía um conteúdo fantástico, mesmo em tão poucas páginas – 120 páginas, para ser mais exato. De fato, sinto que minha compreensão da sociedade atual e de seus ritmos foi enriquecida, passei a gostar ainda menos dela – brincadeira.
Resumidamente, o livro diz que cada época tem algum tipo de doença característica. Por exemplo, houve a era das doenças bacteriológicas e virais; agora, segundo o autor, o mundo é marcado pelas doenças neuronais, tais como Burnout e depressão e, como aponta Han, são causadas pelo excesso de positividade. A pós-modernidade não possui mais a negatividade daquilo que é o outro, algo estranho.
A globalização (não uso essa palavra desde o ensino médio) acabou por deixar o mundo homogêneo. Em muitos casos, ainda há o estranho, mas na forma de um produto de consumo exótico. Não há mais aquela reação imunológica da dialética da negatividade, onde devíamos negar o estranho para sobreviver. Somos uma sociedade que não conhece barreiras. O engraçado de tudo isso é que eu lembro de brincar com o meu antigo professor de geografia, o Jefinho, dizendo que a globalização era como o slogan daquela operadora de celular: viver sem fronteiras.
Como sou engenheiro, preciso usar meu linguajar próprio, porque gastei o meu vocabulário de palavras complicadas no parágrafo anterior. Sofremos de um feedback positivo, nossos pólos foram alocados no semi-plano positivo no plano complexo (se não entendeu, então você precisa estudar a teoria de controle clássico). Viver dessa forma, onde somos, todos os dias, impulsionados para frente sem nunca parar, buscando sempre “a melhor versão de nós mesmos”, nos levará a uma crise de depressão justamente da descoberta de nossos limites ou, pior ainda, na descoberta de nossos erros.
Byung-Chul Han comenta também que computadores são máquinas da positividade: elas não podem parar para fazer outra coisa ou simplesmente não fazer nada; nós, meros seres humanos, não somos assim. Não fomos projetados para trabalhar e viver dessa forma. Talvez, devêssemos nos atentar ao instruction set dos processadores e verificar a existência do comando no operation, ou seja, até os melhores processadores, feitos para ter o melhor desempenho possível, têm comandos para não fazer absolutamente nada e que, por sinal, são muito utilizados.
Durante o livro, o autor designa a sociedade positiva como a “sociedade do desempenho”. Ela ganha este nome pois seu objetivo é a maximização da produção. Os indivíduos que a compõem são chamados de “sujeitos do desempenho”, ou seja, pessoas que trazem essa cultura de produção.
Quando finalizei a leitura, fiquei refletindo sobre o significado de tudo isso em minha vida; foi então que percebi o quanto eu trazia, dentro de mim, a cultura do desempenho. Quando jovem, era incentivado a nunca ficar parado. Minha agenda ficava totalmente preenchida até tarde da noite. Dentre as atividades, havia cursos de informática, idiomas – nos quais sempre fui uma negação –, trabalhos voluntários, atividades escolares e exercícios físicos. Além disso, era incentivado a ir bem nos estudos para passar em uma boa universidade, de preferência uma federal. Já com mais idade e finalizando a graduação em engenharia eletrônica, comecei um mestrado, enquanto também trabalhava meio período e fazia o TCC. Como dizia minha mãe, mente vazia é oficina do diabo. No entanto, quão diabólicas são as consequência de se ter a mente constantemente preenchida!
Atualmente, a situação parece ter piorado. Os pais querem que seus filhos sejam alfabetizados cada vez mais cedo; além disso, não basta apenas aprender bem o idioma pátrio e saber inglês como na minha época (mesmo eu tendo falhado na parte do inglês), há a necessidade de estudar espanhol, alemão, mandarim (para usar o Android do Xiaomi no original), coreano (se for fã do BTS) e japonês (para ver animes sem legenda).
Há também o agravante da tecnologia que já faz parte da vida dos mais novos. Eles estão crescendo sempre conectados e isso é um problema! Estar sempre conectado implica abrir mão daquela negatividade do parar. A máquina humana multitarefas interrompe uma atividade numa falsa negatividade, pois ela para apenas para realizar outra tarefa, sendo isso um processo preemptivo, cíclico e eterno.
Talvez você tenha ficado confuso com a minha última afirmação. Na engenharia, preempção é o ato do processador parar uma tarefa, salvar seu contexto e então escalonar a próxima, por isso chamei o processo de preemptivo. Ele também é cíclico, porque as tarefas são sempre chamadas novamente. Uma pessoa que manda mensagens no Whatsapp, vê o Facebook, conversa com a mãe e assiste TV ao mesmo tempo, na verdade, está escalonando continuamente estas quatro tarefas em seu kernel orgânico. Ela vai da tarefa 1 para a 2; da 2 para a 3; da 3 para a 4 e, por fim, da 4 para a 1 novamente; tudo isso para voltar a rotina de escalonamento. Finalmente, é um processo eterno, pois não há fim para o tempo conectado.
Ao que parece, o sujeito do desempenho tem surgido cada dia mais cedo. Na minha experiência de vida, me tornei esse sujeito por volta dos 12 anos. Os conhecidos que têm filhos já têm transformado suas crianças por volta dos 10. Daqui alguns anos, os recém-nascidos já não deverão mais ter babás, mas coaches para ensiná-los o caminho onde poderão desempenhar ao máximo seus dons.
G. K. Chesterton disse que, um dia, teríamos que demonstrar para o mundo que a grama é verde. De fato, algumas obviedades foram totalmente descartadas, inclusive, até as máquinas positivas pifam quando não têm o descanso da manutenção.